24.10.08

Robert Johnson


Dita a lenda que Robert Johnson era fã de Son House, grande nome do Blues em sua época; um dia após um show de Son, Robert tenta mostrar-lhe suas habilidades como Bluesman, mas foi em alguns instantes interrompido por Son, o qual disse que Johnson não tinha jeito algum para o Blues. Depois deste dia, Robert Johnson sumiu por um bom tempo. retornou tempos depois com várias músicas prontas e uma habilidade impar com o violão. Fez-se assim a mítica de que Robert Johnson, neste meio tempo que desapareceu, teria feito um pacto com o diabo para aprender a arte do Blues.

Johnson tocou de 1936 à 1938, carreira curta e de palcos mundanos [ geralmente prostíbulos e bares baratos ], mas mesmo com estas adversidades, Johnson conseguiu firmar-se entre os Bluesmen, ganhando respeito e admiração por sua forma diferenciada de fazer Blues, chegando a ganhar ainda em vida, o título de "The King of the Delta Blues Singers".

Robert Johnson morreu aos 27 anos, após se sentir mal durante um show, passando três dias em estado de coma. A versão mais provável e difundida de sua morte, foi a de que ele havia sido envenenado.


Robert johnson - Sweet home chicago

Com Bê maiúsculo

O lamento sereno e vívido que vem da alma de um homem,
o bom e velho Blues, com Bê maiúsculo.



"Ah, oh, smokestack lightning
Shinin', just like gold
Why don't ya hear me cryin'?
Ah, whoo hoo, ooh...
Whoo..."



Howlin' wolf - Smokestack lightning

Só mais um blues cansado

A cidade é um blues cansado, com seus filhos com cara de concreto,
todas iguais e abstratas.a cidade é só mais um blues cansado,
e eu um de seus poucos filhos com cara de barro.

tomara que nao chova.
meus cigarros acabaram, queria ficar em casa hoje,
dormir, ver tevê, queria vegetar um pouco
como todo cidadão sulamericano,
capitalista por obrigação e de classe média baixa faz
e tem direito de fazer de vez em quando.


dia de céu quase em preto, isso de manhã...
a cidade é só mais um blues cansado.




Canned heat - On the road again

23.10.08

Gregório de matos

Quem conhece dos versos do velho boca do inferno
sabe de sua qualidade, achei bons sites
com conteúdo dígno, vale uma olhadela.


uma amostra do mestre Barroco...
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Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ousadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo, mar de enganos,
Ser louco c'os demais, que só, sisudo.

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memória viva
obra poética



M. Ward - Transfiguration of vincent

Haikai

Haikai é uma arte oriental de poesia
onde o objetivo é a exatidão por meio de versos curtos
e que transmitam uma mensagem maior que sua pequena formação vocabular.
o que não deixa de ser a essência da Poesia,
transmitir um mundo além das sílabas deflagradas no texto.


O eu que goteja,
como o universo garoa:
Em mal feitas gotas.


Haikai




Woody guthrie - Do - re - mi

22.10.08

Ponhas reparo

Reparas-te hoje?
os dias são tão mornos, assim...
com essa chuva em preto e branco lá fora,
dias de tons frios...

as pessoas, um palmo acima dos pés, molhadas...
é o que resta das poças violadas pelos passos?
passos que nem importam quantos,
poças que nem importam onde.

reparas-te, hoje?
o sol foi visitar qualquer outra estrela amiga
e deixou as nuvéns tomando conta de nós todos.


se ainda não
ponhas reparo, vais ver.



Rolling stones - Wild horses

E desfez-se em pranto o que fez-se Aurora

E desfez-se em pranto o que fez-se Aurora,
nesta manhã fria do sol deposto,
pois o sol se pôs aos céus, pois lhe é imposto...
assim como o tempo impõem o agora. | a mim... |



e desfez-se em penumbra o que era em cor,
toda arte em mim como um jarro quebrado...
perdeu-se. sou disforme homem de barro,
sou o perdido perfume da flor... | jasmim... |

.

e desfez-se em frio o que era fervura,
a trilha do riso fez-se amargada
perdeu-se o fino zêlo da candura...

.

E quis em vão a flor desabroxada
mudar o mundo com sua ventura,
mas o mundo é uma manhã calada.



Van morrison - Into the mystic

Terraplanagem blues

È tão estranho as vezes acreditar nas própias verdades, há tantas outras por ai, pelo menos seis bilhões de variações nesta terra. A verdade na calçada, encostada no muro do estacionamento na augusta, um pouco antes do cruzamento com a caio prado, a mulher loira de verde vivo nos olhos, de panos sociais com o celular na orelha, me olha rápido... dois segundos, e continua apressada, sentido Paulista. O homem sentado sobre os sacos de lixo, de olhos escuros e maltrapilhos panos, com um resto de marmita no colo, me olha rápido... dois segundos, e continua apressado, sentido sobreviver. Somos mais de seis bilhões de verdades, e isso as vezes me faz desacreditar um pouco nas minhas, ou que haja realmente alguma verdade entre tantas verdades, entre celulares e restos de comida no lixo.



Robert johnson - Terraplane blues

21.10.08

Meus erros

Os farrapos gramaticalmente recolhidos n'um canto...
meus erros: de linguagem, de gestos; atos falhos, atos desatados e descuidadosamente tratados, aos cacos pelos cantos da casa de mim. meus vícios, de linguagem, de mediocridade monocromática para com tudo, preto e branco à colorido...


Um cigarro mal tragado, trinta


Um cigarro mal tragado,trinta
segundos calado para comigo
mesmo. silêncio amigo, eu inimigo
meu. a sós com o escuro da tinta...

estralando meus dedos, estralando
a coluna invertebral da solidão,
qualquer um que dê-me um sim: dou-lhe um não.
todos dizem tanto; e eu vou-me calando...

as palavras são só brinquedo amargo
um sussuro gasto pós um tossir
d'um sorrir d'outono, vazio e largo.

trinta segundos comigo, calado.
trinta, e a fumaça do cigarro
faz de mim, do tempo, desperdiçado.



Jim white - Christmas day

Calçadas tortas

Calçadas tortas, calçadas retas, calçadas com lixo espalhado, calçadas com gente a desviar de gente, calçadas coma gente a chafurdar no lixo procurando o que viver, calçadas com gente a dormir no colchão duro de asfalto, calçadas com cachorros metódicamente peludos e suas donas meticulosamente avessas à realidade, calçadas e o ponto do ônibus, calçadas e a saída do metrô consolação, calçadas e o homem que vende seus guarda-chuvas a gritar " guarda-chuva tá cinco!", calçadas e os pingos grossos de chuva a explodir no frágil branco do algodão de minha camisa; a escorrer, nos fios fartos dos meus cabelos, calçadas descalças de individualidade, são todos uma uniformidade apressada com medo dos pingos grossos.



The doors - Riders on the storm

Poema de Arseni Tarkovski

Agora o verão se foi
E poderia nunca ter vindo.
O sol está quente.
Mas tem de haver mais.

Tudo aconteceu,
Tudo caiu em minhas mãos
Como uma folha de cinco pontas,
Mas tem de haver mais.

A vida me recolheu
À segurança de suas asas,
Minha sorte nunca falhou,
Mas tem de haver mais.

Nem uma folha queimada,
Nem um graveto partido.
Claro como um vidro é o dia,
Mas tem de haver mais.

--- X ---

Cai a noite sobre as montanhas da Geórgia;
À minha frente ruge o Aragva.
Estou em paz e triste; há um lampejo em meus suspiros,
Meus suspiros são todos teus,
Teus, e de mais ninguém... Minha melancolia
Está insensível a angústias e apreensões,
E meu coração arde e ama mais uma vez,
Pois nada pode fazer além de amar.


Todo instante que passávamos juntos
Era uma celebração, uma Epifania,
No mundo inteiro, nós os dois sozinhos.
Eras mais audaciosa, mais leve que a asa de um pássaro,
Estonteante como uma vertigem, corrias escada abaixo
Dois degraus por vez, e me conduzias
Por entre lilases úmidos, até teu domínio
No outro lado, para além do espelho.

Enquanto isso o destino seguia nossos passos
Como um louco de navalha na mão.



. Arseni Tarkovski





Um meio tom

O silêncio momotemático, monossilábico, monocromático do banco à janela do coletivo,
a luz enfraquecida e o escuro do intervalo dos postes do lado de fora, me dão um meio tom entre o que vejo a cada parar e o meu rosto no vidro. então começa a chover, as pessoas trancam as janelas, com medo das gotas frias no rosto, o lá fora ficou mais invisível, o vidro ficou embaçado com o vapor da respiração de todos, eu também não estou mais no reflexo desbotado e escuro da janela. eu faço um círculo com a mão no vidro da janela, o vapor dá lugar ao escorrer da chuva do lado de fora. então eu fico de ouvidos dispersos junto ao velho Lanegan, olhando pra dentro dos meus ouvidos, cheios de imaginação e serenidade.



Mark lanegan - Carry home

Neon estranho

O céu é um neon estranho, quase todas as noites, provavelmente por causa da poluição, fumaça tão leve quanto o ar... fumaça que dança sobre nossas turvas cabeças e depois descansa sob nossos escuros e exaustos pulmões. se olhar com afinco, se pode ver uma estrela semi-ascesa no céu; mas apenas os curiosos da noite podem vê-la, é necessária tanta curiosidade para dispersar-se das outras um milhão e meio de luzes semi-apagadas, e de todo o torpor que a fumaça que dança nos céus sobre os olhos, nos toma... é necessária uma curiosidade quase que infantil para ver a única luz que realmente é viva na noite, apesar de estar morrendo, a milhões de anos luz, em colápso a extinguir-se, minusculamente visível, por tras do céu, do neon estranho e poluído da noite.




Tom waits - chocolate jesus

Semáforo em semáforo

O cheiro salgado do cigarro nos dedos, aquele cheiro que vai ficando ameno com o passar dos minutos, a mão limpa o vapor do vidro dentro do coletivo. chove forte, os vidros fechados e todos respirando o mesmo ar, um "que" de claustrofóbica situação, o vento preso do lado de fora, apanhando das gotas firmes que caem do céu, e nós apenas andando de semáforo em semáforo, esperando o final do caminho, esperando que pare de chover para que possamos abrir as janelas e nos libertar com o vento.


o cheiro salgado do cigarro nos dedos deu lugar a um cheiro quase agridoce...



The jimi hendrix experience - Little wing

Contra minha mão

Eu bato com a unha do polegar contra o filtro do cigarro, a brasa voa contra minha mão e me traz um ardor como os das lâminas de barbear que ferem o rosto. sopro a fumaça com hostilidade e continuo andando. frente frente, sempre em frente...


"josé, e agora ?


Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!


Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?"




The who - Behind blue eyes

20.10.08

Setenta e oito seres semelhantes a mim

Eu tenho um milhão de pensamentos toneladamente esmagados, todos os dias...
a solidão é um par tão impar p'ra quem se torna sábio, e eu...
as vezes a humildade me priva de dizer o quão sábio me faço.

no adesivo colado na frente do coletivo diz:
capacidade :
34 sentados
44 em pé

setenta e oito seres semelhantes a mim,
e todos preferem o cansaço silencioso de estar com os outros setenta e sete semelhantes, enfadados e exaustivamente assoitados pela falta deste ou daquele sentimento que lhes completaria, caso pudessem flexionar alguns destes verbos: ser/ter/poder/estar...


a maioria são só verbos de ligação,intermediários, que "levam a".
mas a maioria nem faz idéia do quão maior deve ser, apenas querem seus verbos de ligação.


a solidão é um par tão impar p'ra quem se torna sábio, e eu...
as vezes a humildade me priva de dizer o quão sábio me faço.


a grama da marginal pinheiros fica homogênea com o correr do coletivo.
e o azul quente do sol das quinze horas namora o meu rosto.



Neil young - Hurricane

Vazio

Quando tudo está mais vazio, acabas analizando quase que inevitavelmente, os cantos das ruas, das calçadas, das pessoas. é como se a flanela limpasse melhor os vidros arranhados das lentes dos olhos do dia-a-dia, cacos arranhados do di-a-dia... as pernas não precisam de muita habilidade para desviar das outras pernas, e sentir o vento vir de longe, brincar com meus cabelos já revoltos.



Bob dylan - Blowing in the wind

O barulho da cidade

Um tufão implosivo, palavras e passos apertados, apressados e inquietos...

silêncio.


as vezes é como soprar manso contra o barulho das seis da tarde,
as vezes a consciência do em vão é total plenitude.


um tufão implosivo, como andar sob o transito meio quilômetro
em uma hora e vinte e cinco minutos exactos.

paciência.

como palavras e passos apertados, apressados e inquietos...
silêncio aos montes,aos quilômetros em vão.

o barulho da cidade, vívida cidade... é tão maior.



The zombies - Time of the season

A sutileza perene das cousas

Por vezes eu me sento naqueles bancos vermelhos, bancos dos pontos de ônibus...
e observo a sutileza perene das cousas por elas mesmas, os detalhes que escapam ao mecânico dos olhos fartos: O homem que faz os brincos artesanais sentado na guia, mais hábil que as pernas que passam com tanta pressa por ele, com tanta pressa...
o morador de rua que vasculha com os olhos inquietos, os cantos da rua, procurando uma bituca de cigarro ainda fumável. uma criança pequena de mão dada com seu pai, maravilhadamente assustada com a forma com que os carros passam na avenida, a quantidade e a velocidade deles lhe causam expressões diversas no rosto, lhe levam a mão a boca e passos temerosos pras tras, os olhos postos as vezes ao pai, que não percebia o que acontecera, que perdia ali um momento impar na vida de sua criança.
a senhora de óculos tão grandes, dos olhos apertados contra o sol, passos vagarosos da idade, passos vagarosos entre as pernas hábeis e apressadas da avenida paulista, o mundo não espera seus passos vagarosos, o mundo não espera ninguém.
o coletivo que me leva pra casa vem, me tira do banco desconfortável de aço, me pondo em um outro não menos desconfortável de plástico.
Ainda pude ver a pequena menina sorrir antes de perde-la de vista dentro do ônibus, e a senhora idosa, sentou-se a meu lado, e pôs-se a dormir, sem pressa alguma em chegar.




George harrison - My guitar gently weeps

O cão manco

O cão manco e já quase sem pelos, fuçando o lixo por fome. a criança pequena que sorrí e bate descompassadas palmas pela graça feita pelo estranho. o velho sentado num bar de esquina a observar, com a paz de quem já viveu sua vida, o que ocorre a seu redor. o rapaz que passa apressado com a coca - cola e um cigarro na mão esquerda, e a pressa toda do mundo nas pernas. o homem dos pés com solas escuras do andar descalço, enrolado num lençol, encostado num canto minimamente coberto, para se proteger da chuva, para se proteger de você, de mim, para se proteger dos nossos medos dele e de sua fome, de sua subexistência e da nossa. os carros e as buzinas e os berros e o blablabladear das bocas que falam por falar, bocas contra o silêncio. as crianças e os semáforos, as crianças e uns saquinhos de bala, as crianças e umas bolinhas de tênis, as crianças e suas mãos estendidas e suas barrigas vazias, as crianças. os casais que se amam com tanta intensidade que não vêem nada além do entre um metro e o dois que formam com seu par, amam pra sempre durante um mês ou dois. a senhora dos óculos grandes e ombros curvados, a esperar o coletivo, já tão cansada dos pés lhe sustentarem, o tempo... sim, o tempo. o sol no fim da tarde poluída, se escondendo entre as nuvéns que parecem que vão fazer choro, garoa... o sol que quer ir embora antes do dia acabar. eu.



Humble pie - Strange day

19.10.08

Ao quase inaudível

Às três e vinte da manhã, acordado com uma das mãos sob a cabeça, forçando os olhos na penumbra da meia luz que vem do banheiro, pra contar as rachaduras grandes que o teto cultiva ano a ano... e um desapego qualquer toma o ambiente, o silêncio pacífico da madrugada, o absoluto silêncio d'um cão que ladra solitário e distante, ao longe, ao quase inaudível.

"então, então você acha que consegue distinguir o céu do inferno, céus azuis da dor?
você consegue distinguir um campo verde de um frio trilho de aço? um sorriso de um véu? você acha que consegue distinguir?"



Os pombos que andam próximos aos meus passos largos, a cidade que não os vê, que não me vê, que não se vê. a cidade extritamente cega e desordenada das oito às dezoito. um canto de coletivo, um livro de bolso, fones de ouvido, algum blues velho e um cigarro meio amassado e mal guardado no bolso, mal tragado na boca, em frente... sempre em frente.

"Somos apenas duas almas perdidas, Nadando num aquário. ano após ano, correndo sobre este mesmo velho chão, o que encontramos? os mesmos velhos medos..."



Pink floyd - Wish you were here

Andemos, arte ingrata de Supor

Andemos, arte ingrata de supor...
dai-me a pena e as tintas deste grito
agudo e inflamado, mas tão finito,
qu'a chuva do existir desbota a cor.

caminhemos, arte vil de viver...
dai-me força e vontade, dai-me gotas
d'esperança, um par de paixões rotas,
e uma dúzia de sonhos p'ra ter.

corramos, arte vívida de amar...
pois tua vida é tão curta e perfeita
que macula e morre, se feita à andar.

paremos, e de vontade refeita
observemos, o azul do mar...
morrer, junto a tarde em lilás desfeita.



Ataxia - Dust