7.3.12

As esquinas da manhã

As esquinas da manhã, agudas, ferindo meus olhos ainda aninhados de sono,
- mais um cochilo, uma gota a mais de tempo...

- não!
é preciso estralar os ossos, é preciso antes de tudo aprumar o espírito com os olhos, desaninhar os olhos aos solavancos para as cores do porvir, pois n'um piscar do ponteiro do tempo a vida vem correndo, me toma pelos pulmões e nos leva porta à fora, me pede o cigarro e os fósforos, e acende a manhã com as minhas mãos.



"Não acredito em pressentimentos, e augúrios
Não me amedrontam. Não fujo da calúnia
Nem do veneno. Não há morte na Terra.
Todos são imortais. Tudo é imortal. Não há por que
Ter medo da morte aos dezessete
Ou mesmo aos setenta. Realidade e luz
Existem, mas morte e trevas, não.
Estamos agora todos na praia,
E eu sou um dos que içam as redes
Quando um cardume de imortalidade nelas entra.


Vive na casa e a casa continua de pé
Vou aparecer em qualquer século
Entrar e fazer uma casa para mim
É por isso que teus filhos estão ao meu lado
E as tuas esposas, todos sentados em uma mesa,
Uma mesa para o avô e o neto
O futuro é consumado aqui e agora
E se eu erguer levemente minha mão diante de ti,
Ficarás com cinco feixes de luz
Com omoplatas como esteios de madeira
Eu ergui todos os dias que fizeram o passado
Com uma cadeia de agrimensor,eu medi o tempo
E viajei através dele como se viajasse pelos Urais

Escolhi uma era que estivesse à minha altura
Rumamos para o sul, fizemos a poeira rodopiar na estepe
Ervaçais cresciam viçosos; um gafanhoto tocava,
Esfregando as pernas, profetizava
E contou-me, como um monge, que eu pereceria
Peguei meu destino e amarrei-o na minha sela;
E agora que cheguei ao futuro ficarei
Ereto sobre meus estribos como um garoto.

Só preciso da imortalidade
Para que meu sangue continue a fluir de era para era
Eu prontamente trocaria a vida
Por um lugar seguro e quente
Se a agulha veloz da vida
Não me puxasse pelo mundo como uma linha"

Vida, Vida
Arseni Tarkovski
poema publicado na obra Esculpir o tempo