1.11.08

E os homens dos espíritos pequenos

As putas dos peitos grandes e os homens dos espíritos pequenos, há espaço para todos nas calçadas. as putas das saias curtas e os homens das dores psíquicas tão compridas quanto uma bata, destas de padre do tal catolicísmo, há espaço pra todos no inferno, o tal inferno dos católicos, ou qualquer quarto onde se possa condernar-se sob penumbra e arrependimentos vazios. as putas dos cigarros sujos de batom, os homens e seus cigarros puritanos sujos de pudor, capazes de comer a puta e não lhe olhar nos olhos, no rosto; como almoçar no mcdonalds ao meio dia, bater o cartão as oito e as dezessete, atos - reflexo, o demônio corrosivo do cotidiano, o bom e velho demônio do dia a dia. as putas indo pra casa às cinco da manhã, atirando suas gimbas de ponta vermelha num canto da calçada. os homens que continuam encostados num canto de prédio, a fumar seus cigarros e a observar o que resta da gimba avermelhada findar sua brasa. as putas dos peitos grandes e os homens dos espíritos pequenos, há espaço para todos...



Led zeppelin - no quarter

30.10.08

Pensar...

Eu consigo contar os passos mentalmente daqui: são qüatorze curtos ou seis ou sete dos longos e rápidos. mas será a direção certa? Acabei de acender o cigarro, vou esperar mais cinco minutos, pensar enquanto isso, é... pensar, pensar constrói, fortifica as idéias pré supostas,presumidas, pré estabelecidas. Não, pensar é como um maldito bom livro, pensar não dá respostas, mas sim mais questões. pensar é uma maldita virose, questões às tosses e aos espírros. só cinco minutos, há carros, há gente, há pombos a pescoçiar pra lá e pra cá, há de tudo num raio de trezentos e sessenta graus. Pensar é pra quem tem a vida toda e eu, eu só tenho cinco minutos contados na cinza do cigarro... e alguns passos, sejam curtos ou longos, em alguma direção premeditadamente impensada.Pensar é estar doente dos olhos.



"Mais um copo de café para a estrada
Mais um copo de café para eu ir
Descendo o vale..."




Bob dylan - One more cup of coffee

Sargeta

Eu sento na sargeta, no meio fio, num fio e meio de raciocínio, e desato o tino num desatino de pensar... em que? quem se importa? a mulher com as sacolas de supermercado? o motorista do coletivo parado no sinal vermelho, que me olha por exactos um minuto e trinta segundos? a mulher ao celular que por pouco não tropeça nas minhas costas? o morador de rua que fuça nos sacos escuros e incógnitos na outra margem da rua? eu? quatro ou cinco minutos sentado no meio fio, um cigarro tragado e sua fumaça toda aos céus ( e nada se perpetua )... como meus pensamentos, minha cabeça em brasa, meus pensamentos como fumaça... e eu vou embora, como a gimba que sobra num canto do meio fio. mas eu tenho mais cigarros, e o mundo é todo uma sargeta, o mundo é todo um meio fio.



Pearl jam - Hard to imagine

28.10.08

Dogs

Acordar às cinco e quinze da manhã.
O cheiro agridoce e frio da madrugada e
a neblida que tira sangue do rosto do sol aos coiçes,
o dia demora pra parir-se.



"Você precisa ser louco, você precisa ter um motivo de verdade
Você precisa dormir sobre seus dedos dos pés
E quando você estiver na rua
Você precisa ser capaz de distinguir a carne fácil
Com seus olhos fechados
E depois se movendo silenciosamente
Contra o vento e escondido
Você precisa bater
No momento certo e sem pensar."

um vento gélido e um gosto amargo de café.
um vento amargo e um gosto gélido de café.
três goles de queimar a língua e uma brisa de gelar os ossos.


"E depois de um tempo, você pode trabalhar em pontos da moda
Como o clube da gravata, e o clube “firme aperto de mão”
Um certo olhar fixo nos olhos, e um sorriso fácil
Você tem que passar confiança para as pessoas que você mente
Para que quando elas virarem as costas para você
Você tenha a chance de esfaqueá-las."

rostos inchados de sono, olhos cansados, moribundos entre os narizes,
testas franzidas e lábios rachados...
toda uma construção pedande em mais ou menos 80 corpos
se intrelaçando dentro de um veículo feito de ferro,
latão e almas moídas...



"Você tem que manter um olho sempre aberto
Você sabe que isto está ficando cada vez mais difícil, difícil
Conforme você envelhece
E no fim você arrumará as malas, e voará em direção ao sul
Esconderá sua cabeça na areia
Apenas outro triste e velho homem
Sozinho e morrendo de câncer."


os solavancos, como murros do solo pra cima, da direita pra esquerda,
o azedume de alguns, os pisões e encontrões do mal caber,
as janelas fechadas e o rarefeito dos ares respirados repetidamente,
o vapor que não permite mais ver refletidos no vidro fosco do coletivo,
os rostos em tom ôpaco, desbotado, frio.



"E quando você perder o controle,
Você irá colher o que tem plantado
E á medida que o medo cresce,
O sangue ruim pára de correr e endurece
E é tarde demais para soltar o peso
Você costumava jogá-lo por aí
Então se afogue, enquanto você afunda sozinho
Arrastado para baixo pela pedra."


uma tonelada de silêncio em cada face,
uma constelação de astros completamente findados
de seus colápsos e escurecidos em cada vontade abstrata
aprisionada dentro de cada cabeça sonolenta e pesada
de carregar seus corpos calejados...



"Tenho que admitir que estou um pouco confuso
Às vezes me parece que eu estou sendo usado
Preciso ficar acordado,
Preciso tentar e sacudir esse mal-estar rastejante
Se não estou pisando em meu próprio chão,
Como posso encontrar a saída deste labirinto?''


e quem roubou a maior das tristezas do mundo e cravou
como uma flor desbodada no espírito de cada homem ?


"Surdo, mudo e cego, você apenas continua fingindo
Que todo mundo é dispensável
E ninguém teve um amigo de verdade
E parece que para você
A solução seria isolar o vencedor
E você acredita de coração, que todo mundo é um assassino."


e a cada curva vencida pelo coletivo, um encontro com o reflexo abafado
e gasto da janela. é você?
quem é o dono do rosto desconhecido na vidraça que lhe cabe ?



"Quem nasceu numa casa cheia de dor?
Quem foi educado a não cuspir no ventilador?
Quem foi que disse o que devemos fazer pelo homem?
Quem foi à falência através de pessoal treinado?
Quem estava usando colarinhos e correntes?
Quem cedeu um assento no banco das testemunhas?
Quem estava fugindo do público?
Quem estava sozinho em casa com um estranho?
Quem foi triturado no final?
Quem foi encontrado morto ao telefone?
Quem foi puxado para baixo pelas pedras?"



e todos ao fim do trajeto descem do coletivo sem deixar nada pra trás.

os cães sarnentos circulam por entre as pernas dos anônimos... é tudo uma normalidade caindo aos pedaços.



Sob as aspas a tradução de Dogs, do Pink floyd.



26.10.08

Com os dedos intrevados de frio

Um calor que escorre dos dedos do diabo, de baixo pra cima e corrói as entranhas da terra até a superfície da minha face suada, do asfalto fervendo, deste dia borbulhante e febril. o fio de suor que escorre por minha perna, que se afina no tecido grosso da calça, minha paciência que se afina no tecido grosso do trânsito, dos semáforos, das pessoas e suas conversas intimístas e desinteressantes que não dizem respeito a ninguém, mas que são bradadas à plenos pulmões, dos pombos que beliscam o copo do mcdonalds no canto do bueiro e que são assoitados pelo morador de rua, que lambe esfomiado o resto pastoso de alguma porcaria industrializada que suja o fundo do copo. encostar o crânio no vidro do coletivo, roer unhas, balançar os pés, tactactear o plástico da lateral do coletivo,bufar bufar... o inferno do estágnado, do estar e permanecer, o não ir... o inferno absoluto de abrir e fechar o semáforo e o coletivo permanecer intácto em sua inflexibilidade a lá 34 graus. O diabo encosta as pontas dos dedos em brasa no sotão avermelhado de sua morada, e transpassa o fervor no assoalho deste miserável chão coberto de piche e gente. O diabo deve estar gelado agora, os carros não andam, isso aqui não anda, isso aqui não esfria... o diabo deve estar com as mãos gélidas agora, com os dedos intrevados do frio. uma gota escorre de minha testa e sucumbe no canto de minha sombrancelha. "L'enfer, c'est les autres".



Mark lanegan - Beggar's blues