11.2.09

Mágica

Hoje é tudo uma mágica desvendada, um pedaço branco da carta do baralho, escapando por baixo da manga do palitó do mágico mediocre. e dou por isso todo o encanto intediado de uma criança com seu cigarro inquieto entre os dedos, as premissas mais óbvias que um dia feio como hoje pode trazer, o silogismo das cousas, tão certo e provável quanto que este cigarro em instantes, será só uma gimba atirada num canto escuro de chão. escrevo como quem masga uma goma insípta, escrevo como quem despeja cousas dos dedos apenas para desocupar espaço, palavras e palvras, amontoado duro e aglomerado de idéias sobrepostas e tão gastas como o truque do coelho na cartola. a obviedade das cousas pelas cousas tem seu encanto frio, a certeza oblíqua do erro das cousas e um anestézico na ponta dos dedos, na ponta dos pensamentos, é como quando se quebra o encanto por saber que o mágico não fora cortado ao meio e depois se restituiu, a vida por vezes é um quebra-truques de crianças, uma fileira de dominós a cair, um quebra - encantos.



Pronfundamente
| poema de Manuel Bandeira |

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes

Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.

*

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

10.2.09

Cimento

Andando sobre o cimento gasto da calçada, os estalos surdos dos pedaços pequenos e soltos de concreto, quase no fim da tarde, o céu cinza do dia que se despede, ao redor do parque com grades, coisas verdes e cinzas... ponho medida nos estalos mansos e vagarosos do cimento e me ponho a não pensar. toda metafísica de Kant não me sustentaria de pé agora, e toda a tal essência trancedental entre o eu e a coisa em si, o espaço imaterial e a consciência da força maior e motriz de tudo e por consequente de mim, tudo isso largo no cesto verde de lixo junto a primeira gimba do cigarro. contorno toda a grade, apenas medindo o tempo no barulho do cimento velho da calçada. é tudo uma solitude desnecessária este segundo a segundo que eu permaneço estando. mas eu não duvido de nada, nem que Descartes estivesse aqui, a arrancar estalos mansos do cimento comigo, eu duvidaria, tudo é o que é, sem divisões ou matérias unas, primárias ou formadoras, e qualquer pensamento é qualquer pensamento sem questões maiores que o verde que mora do lado de dentro das grades ou do lado de dentro de mim ou do lado de dentro do cesto de lixo que atiro mais uma gimba de cigarro. é tudo uma existência a parte dos pensamentos, é tudo um agora imutável por já tê-lo sido. adentro o parque, o barulho do chão continua manso e par com meus passos, mas desta vez os estalos são mais brandos, agora quem tem meus passos é a grama e não mais o cimento, sento - me num banco de cimento e acendo outro cigarro... observo sem meditação alguma além do vento mal soprado e das tonalidades que cercam meus olhos doentes. nem que Freud estivesse aqui sentado e me explicasse cada porque de cada pensamento doente meu eu os pensaria agora. pediria apenas para deixar-me com minha primitividade de raciocínio, com minhas extensões mais simplórias de vontade, meu ID e o silêncio pulgente da ausência do meu ego, do meu superego, que os deixasse no último trago deste cigarro. olho ao relógio e me falo sobre ficar ali sentado por trinta minutos, e apenas me obrigo a relação entre o eu, o relógio e o cigarro, sem pensamentos, sem questionamentos, sem se quer um sorríso pós - idéia, seja esta boa ou ruim. e os trinta minutos se esvaem, como todos os outros de minha vida, os pensados e os não pensados como estes, se esvairam até então. nem se o Deus católico estivesse aqui e me pedisse mais trinta minutos sentado neste banco eu me poria a faze - lo, nem se me explicasse sobre toda a filosofia da piedade e do amor ao próximo, do amor a mim e a o próximo, do amor do próximo a mim, nem se o Deus dos indus, dos índios ou o Deus de ninguém eu me daria a uma nova conversa com o relógio. já está completamente escuro, o dia se despediu e eu o vi se despedir, observei cada instante nesta meia hora onde ele sorrateiro, se esquivara sob o manto negro da noite. poucos o fizeram, poucos o observavam, em sua maioria pensavam, em seus problemas, em suas alegrias, alguns passeavam com seus cães, corriam tentando manter a forma, saúde, tentando se condicionar para viver mais tempo, mais um pouco de tempo, as crianças brincando nos brinquedos de madeira, os casais namorando nos bancos mais ao longe, os carros andando no asfalto do lado de fora das grades, todos pensando ou usando de forma mecânica suas meia hora, e eu a usei com nada, com meus cigarros e com meu não pensar, todos pensando ou agindo por pensar, e eu pensando em não agir, agindo em não pensar, acendo outro cigarro e me despeço do parque, vou fora das grades em alguma outra direção, com outro cigarro e algum pensamento frouxo da falta de exercício do pensar,aqui o cimento das calçadas é mais firme, o barulho dos carros e o conversar dos desconhecidos dão o ar de que o pensamento olheio é mais constante, pensar é estar doente dos olhos.