27.2.09

Um fósforo só

Acendo as horas numa lareira de um fósforo só, acendo e ilumino cinco gramas de ar, sem ar por cinco gramas de tempo, respiro. caminho assim com os pés e os medos aos pares, os dez, os dedos aos ares, ao inves, ao contrário, a torto e a direito, sem direito e todo torto, caminho. eu e meia dúzia de pensamentos frouxos, julgamentos coxos, gotas cinzas de saliva e de palavras asfáusticas, concretas, discretas e quase sempre assim, mal ditas. minha alma com sorríso destes de dentes faltando, aberto e infantil, senil e sóbrio da gastura dos anos, eu desenho rimas e palavras que se entendem, se completam no vocábulo e na essência, ao passo que eu destruo tudo como o castelo de barro ou o papel pintado com guache, por vezes eu me sento de fronte a esse mundo sem fim e sinto uma vontade de falar o mais alto possível, gritar minhas meia dúzia de verdades até sentir a veia do meu pescoço engrossar, as vezes passa... as vezes a vontade de queimar as horas como madeira velha se esvai, e ficam só cinco gramas de tempo numa lareira d'um fósforo só. o semáforo do agora fica verde pra nós, eu e os outros de mim, toda essa metafísica incoerente de mim e este chão pra frente, as mãos se soltam tímidas dos bolsos, as pernas seguem mecanicamente sobre o branco e preto da faixa, por vezes me olho de dentro e sou tão maior que nem posso me ver, maior que o tempo, que o chão, que o Tejo, noutras me olho lá de cima da janela alta do prédio, e me vejo tão menor, tão circunstancial e adjetivo duma esquina com semáforo, por vezes eu me olho ao lado deste, daquele, ao seu lado, e me vejo tão igual, como um fósforo dentro de uma caixa, a caixa que os perde um a um... toda essa metafísica incoerente é como o combustível do mecânico das minhas pernas, é toda a vida nos joelhos se dobrando e o em frente.




Los hermanos - Primeiro andar