18.10.08

suas olheiras no espelho

Um giro catastrófico por toda a circunferência, trezentos e sessenta graus meticulosamente medidos e caóticamente deflagrados do eu para o mundo. há dias onde o homem acorda com todos os motivos pra não acordar, e ainda sorrí quando observa suas olheiras no espelho ao escovar os dentes. há outros dias, onde o homem está tão certo com suas coisas, mas mesmo assim... mas mesmo assim lhe falta algo que não sabe dizer o que, como se fosse uma criança de cinco anos, e lhe soprassem a vela do bolo de seu aniversário. bicho tão atípico este tal humano. As vezes crio algumas teses sobre esta espécie enquanto espero o coletivo me levar de um canto a outro da cidade, e cada freiada, cada buzina esmurrada, cada agressão à paz semi - harmônica do meio, me faz perder completamente o tino do que pensara, tamanha é a sensibilidade deste dissernimento, e me tornar, mesmo que por alguns poucos instantes, tão comum e miseravelmente parte conformada e inconsciente do meio, como a grande maioria dos outros seres bípedes que se acomodam nas cadeiras velhas e desconfortáveis destas grandes latas com rodas, feitas para levar-nos vagarosamente, de um canto ao outro, e que no fim do dia... nos devolvem as velhas imagens do início do dia, como se tudo não tivesse passado dum vagaroso sonho monótono e em cores pardas.



Woody guthrie - Gypsy davy

14.10.08

Como um velho blues

Desço do coletivo já com o cigarro na boca, dois pés na sargeta... dois toques no esqueiro, um trago. meia noite e apenas duas pessoas na rua: uma senhora encolhida no canto iluminado da via, provavelmente esperando sua filha retornar da escola e um homem velho... sentado no canto mais alto da sargeta, com uma garrafa envolta num saco de papel, tomando seu trago... cantarolando aos murmuros de forma mole e ilegível, sua canção de poucas palavras. meus passos como um velho blues macio e gasto, blues como os sapatos mais confortáveis que pode haver neste desgraçado mundo. viro a esquina que dá pra rua de casa e a velha senhora está lá com suas sacolas, ela tem a mania de andar de madrugada dando de comer aos cães de rua, eles a cercam e correm a seu redor, com uma notada alegria, uma alegria dígna de crianças inoscentes. meus olhos como um velho blues manso e conformado, blues como os olhos mais velhos e cheios de sabedoria que esta terra ainda tem acordados sobre si. abro o portão com a certeza absoluta que tenho tanto a aprender nesta vida quanto quem nascera ontem.




Songs: Ohia - Long desert train