30.1.09

Verdade

Os passos cansados e firmes seguem as cores vivas da singela natureza, as flores dispostas, poucas e senhoras dum canto quase todo verde à beira da estrada, esta de terra e batida. há flores, não muitas, a contar nos olhos pacientes, uma rósea e as demais alvas como a névoa do alvorecer. e está é rósea, não por que deseja, por que se mente rosa e não alva, nem se faz mais presente que as outras por ser rosada, apenas o é. essa flor me lembra a verdade das cousas, a verdade orgânica e não verbal das cousas, que é se não a única verdade, a verdade que é viva e não dita, a verdade é um pedaço certo do tempo, provado em si, sem enfeites, predicados ou alardes sofísticos, tal qual é, na beira da estrada de terra batida, ao lado dos meus passos cansados e firmes, dos meus olhos gastos e sóbrios, a verdade floresce orgânica e aprumada, sem metalinguagens ou meio - tom. e sorrimos quatro oitavos de rosto, quando cruzamos nossa paz, quando damos por nós, orgânicos e sóbrios.




Van morrison - Tupelo honey

Sapatos

Um homem calça os sapatos que lhe cabem,
e anda no chão que lhe permite(m)
com os pés lhe são (en)fadados pelo orgânico,

Um homem tem o chão que lhe fada o orgânico,
e anda com os pés que lhe cabem,
dentro dos sapatos que lhe são permitidos.


Um homem com sapatos e pés metódicos sobre o chão a ser andado,
não é livre.


" No silêncio,
eu deixo o pensamento na janela,
mas as ruas estão cheias de ninguém...

... durmo, acordo...
acordo pra dormir dinovo..."



China - Durmo acordado


29.1.09

Firmamento

Almeja o céu, o mais alto, o mais forte.
Desenha nos astros, belos tons de azul,
Rasga o mundo, em teu sonho em pelo nu,
Destroça o silêncio com peito em corte.

Sente a amplitude mínima do ser...
que sois. E todo um mundo atroz,
vil e gigante, surdo à tua voz,
A tudo que tu'alma for dizer.

Pintas a parte do céu que te cabe,
D'azul, de preto, de cinza ou de branco,
Da cor que te trouxer contentamento.

Colore em vivo todo o Firmamento,
Só não t'esqueces q'este é um barranco,
A cor é tua, até q'ele desabe.



Placebo - Centrefolds

Brevidade

Uma folha borrada de preto, esquecida num quintal a céu aberto, molhada da garoa fina da madrugada, a révoa despreocupada do pernoite, uma folha branca com borrões pretos, é este céu que acordou hoje. suas nuvéns escuras e disformes correndo com o vento para o Norte, desenhos tão enormes que se me ponho perto, seria como um grão de areia na sola dos sapatos de um gigante. as nuvéns, essas gigantes e escuras, são tão senhoras do seu tempo e do seu caminho que parece que nada as pode afligir, ao passo que qualquer coisa que voe à sua altura pode lhe tirar fragmentos, que o sol e as gotas se forem muito pesadas, podem as dissolver, as fazer tão pequenas quanto eu, até menores, até nada. As nuvéns gigantes e negras voam certas e concretas, senhoras do céu, empurradas pelo vento para o Norte, são tão donas dos céus que nada mais faz cor ou forma nos olhos além delas, e logo elas irão chover, e os céus serão azuis dinovo, e nada restará das nuvéns negras e gigantes, além das poças sujas nas sargetas. mas elas não me parecem pensar nisso, não me parecem metódicas quanto ao seu fim, quanto a serem tão maiores que eu ou donas dos céus, nem que acabaram mais negras que agora são, num miudo de meio litro num buraco sujo e disforme de calçada,que agora abraçam o mais azul que há neste mundo, e que logo abraçarão a sujeira que agora é par com meus sapatos, elas apenas voam, senhoras do seu tempo e de sua realidade, e há toda uma filosofia pungente na sua vida breve.



Dido - Do you have a little time

28.1.09

Liberdade

Preciso cortar os cabelos, por vezes não escuto o mundo direito, fica um ruido ralo, um chiado constante... deve ser os cabelos grandes, a cobrir minhas orelhas. Preciso cortar os cabelos, cortar algo em mim, alguma parte que não doa, mas que eu veja ir embora de mim, se soltar de mim como num ciclo, algo nascido, vivido e morto... algo que cumpriu seu papel orgânico e deu lugar a outra cousa e que dará a outra por sua vez. Preciso cortar os cabelos, acordar de madrugada e ver meu rosto limpo, sem as voltas escuras a cobrir este e aquele canto da minha cara, acordar e sorrir por inteiro, acordar e chorar por inteiro, e ver as dobras do meu sorríso inteiras na minha cara, ver as lágrimas descendo até o prescoço, e não morrendo nos fios mornos dos meus cabelos. preciso cortar meus cabelos, quando venta forte eles escondem meu rosto, e isso por vezes é bom, me dá uma paz necessária pra andar nos tortos desse mundo, mas me acostuma mal com a covardia de fingir não ver, de me abster como todo mundo faz. preciso cortar meus cabelos, aceitar as entradas na minha testa e os anos cáusticos que me convidam aos trinta, o bolor ao fim da estrada pelas costas, dos anos sem barba e sem luta aguda contra o mundo, os anos são ferozes depois de certo tempo, cada dia mais duro e perto da morte, mas pensar nisso deixa as pessoas meio doidas, meio desaprumadas da cabeça, e o que foje dos eixos hoje não é minha cabeça, apenas meus cabelos. preciso cortar meus cabelos, se estão soltos são difíceis de amarrar quando se tem pressa, e é sempre bom ter o controle sobre as coisas, pois vai que eles fiquem soltos sempre e que eu me acostume com eles soltos sempre ? não é justo se acostumar com a liberdade, mesmo que seja a dos cabelos, o mundo sempre póda de forma cruel as grandes liberdades de um homem, que dizer das pequenas. preciso cortar meus cabelos, afinal eles já estão mortos, são células mortas, compridas e mortas... muitos homens devem ter almas compridas e mortas, como uma grande árvore oca e secular, e quando eu paro e espero os carros passarem, o vento espalha meus cabelos na minha cara, e é tudo um tão silêncio e introspecção, que pelos longos segundos de semáforo em vermelho, eu chego a acreditar que o mundo é feito apenas de homens de almas compridas e mortas. preciso cortar meus cabelos sim...



Cat power - Back of your head

27.1.09

Sonhos

Tropeça em suas pernas moles, amarradas aos céus, um marionete de vontades amarradas aos céus. os paralelepípedos o encaram, pois sim, que tem olhos as pedras e as cousas todas, já que existem por que não teriam olhos? e se enchergam, é uma fração tão certa do tempo, que não nos é permitido saber dos seus olhos perpiscazes e tão infantis. Os grandes postes, estes dos pés esfumaçados e das luzes ôpacas, estes também colocam palavras como besouros grandes na boca ao ver passar o homem dos passos tortos, e olham severamente de sua altura desmedida e concreta, o pequeno a tortuar-se sobre o chão e tossem de antemão as gotas disformes de carbono que produz com seus pulmões de um azul borrado e vil. As cordas que o amarram aos céus não lhe dão apoio, nem tampouco o conduzem a aqui ou acolá, apenas o prendem a uma obrigação de olhar sempre aos céus e de cambalear pelo peso das cordas sobre seu humano dorso, e vai, com o abstrato do mundo a lhe olhar torto e a falá - lo com besouros grandes na boca. vai a fumar seus cigarros e a sentir todo o peso dos céus nas costas, sem as gotas de piedade das pedras ou dos postes, com os pulmões mais azuis e vís que as gotas de fumaça podem fazer de morada. e quando as cordas e os olhos estão pesados demais, ele aspira a fumaça de seu cigarro e se solta das amarras do abstrato, se permite por alguns segundos encostar a ponta do nariz no molhado das nuvéns, e diz lá de cima, que apesar do céu está cinza do chão, está feio... lá de cima com o nariz gelado, não há nada mais alvo e certo que a nuvéns que o permitem sorrir.



The avett Brothers - Walking for you