4.12.08

E se faz

E se faz no pé direito, no caminhar neste sem jeito, um sapato e dois buracos na sola, um peito e uns tantos mil cacos, e o que assola? sabe Deus. e continuo escrevendo sem ponto, e continuo descrevendo meu conto, num contraponto entre o que encontro e o desencontro dos meus pensamentos, dos meus juramentos de crer no que meus olhos dizem, no que meus pés pisem, no que o verbo me sujeitar, e conjugar em todas as pessoas, do plural e do singular, sem me atar que o verbo prosseguir é só um verbo, que os dois buracos na sola são só adjetivos esburacados e meus, e que o peito em tantos mil cacos, é só mais um peito desta cidade de tantos mil cacos.

E se faz no pé esquerdo, um caminhar em desrespeito, ao chão já tão assoitados pelos pés apressados, desassocegados. passos, dez aos sussegados, mil aos desatinados dos pés esquerdos e descompassados, cansados de serem castigados pelas cabeças obesas de pensamentos gastos, calçadas como mastros, calçados erguidos aos astros em colapso, dum universo todo feito em lapso, duma mente feita corrente, num "que" demente, sempre em frente, sempre incoerentemente à frente, irracionamente seguindo o mar de gente, o ar influente num gerúndio displicente que acaba com a vida da gente, que acaba na vida da gente, que morre com a gente, que morre a gente.


E se faz na cabeça um mundo todo que se esqueça. e na cabeça uma dúzia de rosas murchas, uma pobreza, de cor de perfume e de tudo que desapareça numa hora de silêncio e meia, num a fora, numa calçada como teia, tecida pelos passos apagados dos massos de cigarros tragados, das cabeças esfumaçadas e de paladar amargo, das cabeças dos pés direitos e esquerdos, dos defeitos e acertos tão desconsertados. Todos fadados: pés, cabeças e calçadas e massos, todos enfadados, todos lançados como dados a esta arte que parte em cacos e mais cacos a quem tenta a ela sobreviver. A arte de viver.


E se faz no espírito...




Iron & wine - Bird stealing bread