23.2.11

Rotina

Espeta o dedo num grão do dia p'ra não perder a mão inteira no vão do pensamento,
as odes do dia todas amassadas num canto da boca, a poesia é toda aleijo, branca, sem necessidade alguma de ser, como um jornal rasgado em letras miudas, como o embaralho sem obrigação, soma-se tudo e o que se tem é um pensamento calado depois do almoço, quando se fica olhando p'ro canto do prato e ruminando pedaços apagados de idéias, de planos, de coisas póstumas antes mesmo de serem geridas,
então uma piscada firme e se quebra o silêncio miope da retina.

E no fim vai tudo por ralo abaixo quando se escova o porvir,
quando se lava o suor do rosto e se encara o espelho.


O peso do agora desgasta a sola do sapato de couro,
desgasta atoa o couro do meu descanso,
e n'um gole de café eu me descubro na mais orgânica das rotinas,


e, n'um sorriso machucado, espeto o dedo num grão do dia
p'ra não perder a mão inteira no vão do pensamento.