11.12.08

Atar tino à noite nicotinada.

Sento - me c'o cigarro e uma amiga,
minha consciência, velha e já curvada,
da idade em horas já tão avançada...
do me ouvir, que minha voz vã obriga.

crio um vinco cinza no firmamento,
dedilho minha voz gasta e mal quista,
que ecoa no ar q'a fumaça conquista,
dando aos céus o mesmo tom do cimento.

falamos, ouvimos, dizemos nada...
e a noite se segue, nos segue tão áspera
quanto a vil fumaça sobre a garganta.

nada é dito, no por fim nada adianta...
à senilidade que não espera
atar tino à noite nicotinada.



Elmore james - It hurts me too


10.12.08

Plástico

Rostos catatônicos, cadavéricos, catastróficos... a cidade já vive toda a aparente festividade do natal, a criança com um saco de cola na mão,criança suja e descalça, que pára na frente do banco na avenida paulista, o banco todo enfeitado, com um enorme trêm e renas e presentes e cores e um papai noel com seu sorríso de plástico a tanger suas renas de plástico em direção ao céu azul de plástico dessa cidade de plástico.
A noite abafada e chuvosa, se pode ver os pontos luminosos em cada canto da cidade, nas árvores envoltas em lâmpadas brancas, nos letreiros de "boas festas" nas esquinas, a cidade guanhou um colorido luminoso além dos moteis e das letras dos ônibus,semáforos e dos prostíbulos. Rostos cansados,castigados, carcumidos... voltando para casa após mais um dia exaustivo e corrosivo de trabalho, emudecidos e abafados dentro de um coletivo de janelas fechadas, lá fora a chuva castiga os vidros, se vê o vento estourando as gotas grossas nas janelas, aqui dentro, um silêncio de plástico, de plástico como o colorido da cidade, como o saco de cola do menino descalço, como o colorido e as renas e o trêm e o céu cinza escuro e tempestuoso de plástico. é tudo um agigantar emoldurado de plástico. Boas festas.

9.12.08

Luz

Num punhado de estrelas fez - se viva,
Tão presente que a noite é quase dia,
No esboço de sorrir, c'o rosto fia
Manhãs no riso, que em meu peito criva.

Num punhado de estrelas, fez - se amada,
E cada hora presente é um dia inteiro,
E cada instante é um tão passageiro,
Que faz d'agora, a paz eternizada.


Cada astro que vive nos céus deseja,
A luz etérica do teu sorríso,
A paz celestial de poder sê - la.


E eu, luz humana, que de amar - te almeja
Morar - me em candura sob teu riso,
Morar - te, como faz a luz d'estrela.




* Uma flor de qüatorze pétalas para minha senhora.

8.12.08

34 °

Um estralo violento e grave de trinta e quatro graus, meus olhos recem nascidos, renascidos da noite, estatelados e violentados, na janela contra os céus e o sol, pro inferno com a fragilidade das córneas! eu encaro o sol com um sorríso amargo de prostituta na face, pro inferno com o bem querer da manhã límpida, nem todos os dias que nascem em azul são bonitos, se os céus do inferno forem em azul serão um bom teto? eu aperto o aço morno da janela, eu aperto a minha face e meu mal gosto na boca, é tudo uma ferrugem, na mão na janela, no paladar, nos olhos apertados contra o maldito sol. Gosto dos dias frios de céu branco, como um imenso tapete de nada, um porvir de algo inconstruído, um em branco esperando um começo, gosto das gotas circulares nas folhas de mato, gosto do verde escuro das folhas, não desse verde amarelado que o sol rouba das folhas, o vento frio que corta o rosto, a garoa que espanca o chão como tiros certeiros nas feridas cinzas e sujas das calçadas, as minhas mãos suadas agora, as minhas mãos arroxicadas do frio, os dedos doloridos, é tudo um lembrar do viver quando se sente uma dor amena. A natureza é uma mãe tão justa que até quando te bate, é pra te ensinar alguma coisa, não espanca apenas com o intuito de ferir. Um cigarro na mão esquerda e um sorríso de prostituta contra os céus, pro inferno com este sol lindo da manhã que não me permite ser senhor de nenhuma criação, que não me permite sentir dor alguma, que não me permite sentir - me vivo, apenas um pedaço menor e doente de alguma coisa perfeita, pro inferno com essa beleza fatídica e imutável da manhã, pro inferno com essa perfeição cancerígena do sol.


"Sua carta nunca sobreviverá ao calor da minha mão, enterrando minha mão, minha mão suando. Seu amor nunca sobreviverá ao calor do meu coração, Meu coração violento... no escuro. "


Mark lanegan - Carry home

7.12.08

A quem ?

A quem deflagras, a quem tu declamas,
A arte desfalecida da vivência?
A quem da monotonia reclamas?
A quem ergues a tua decadência?
A quem bradas, inutilmente chamas?
Tu e tua incoerente inferência,
Esta que com teu palavrear inflamas,
A quem teu inútil faz reverência?
A quem estas palavras que tanto amas,
São disparadas com tanta violência?
Por que despertas neste ar de demência,
Nesta terra que veemente proclamas?
Da incerta fortuna a qual embalsamas,
Escolhes o isto como preferência?
E da paz que pintas no barro, em lamas...
Q'o vento seca sem nenhuma ciência.
A quem falas, a quem invocas a esmo?
- Invoco ao etério, que faz - me eu mesmo.



Fiona apple - Drink's sound

O primeiro calor da manhã

Acordar cedo e o cheiro frio, o cheiro de arder as narinas, o cheiro ácido da madrugada... Fazer a barba. três navalhadas e o sono me tira uma farpa de pele, um fio de sangue escorre, uma linha vermelha anda calmamente, vertical sobre o branco do sabão, um ardor morno, agudo, a navalha é mestra na arte de tirar sangue, o corte demora para calar - se, me rouba o sangue às gotas, às gotas. mochila surrada, sapatos e calças surradas, cara surrada, um vento duro e gélido no peito e um mundo surrado sob os passos, a pressa sobre o corpo que ainda dorme, as pernas forçadas a andar rápido, os pulmões a tragar o primeiro calor do dia, vindo dum filtro de Hollywood, toda paz do mundo amarrada na rudeza dos rostos duros no coletivo e nos berros eclodindo, berros bravíos do meu mp3, ecoando agressivos contra meu cansaço. Chego ao centro e o cheiro frio de urina do Anhangabaú me rouba um sorríso dolorido e grave, essa cidade toda está morta, as pessoas, as calçadas, as muretas, os pombos a ciscar, as paredes sujas e pixadas, toda a cidade como uma óde ao silêncio das cousas, a paz hiperbólica do que se observa calado, mesmo com os gritos dos pneus e os blabladear dos que não se entendem, a cidade é um silêncio gelado da madrugada e fedendo a urina e um cinza - Anhangabaú. e o que restou da manhã foi só o gosto amargo de cigarro na boca e o corte meio fundo da navalha que o vento do fim da tarde faz arder no pescoço. carpe diem.



Deftones - Rx queen

Johann Wolfgang von Goethe

Uma afronte a Fausto...


~ Mater amorosa ~


(Na encosta esverdeada da muralha, a imagem
da Senhora dos amores, com jarras de flores a cercando.)

FLOR DE JASMIM, pondo perfume nas jarras:

Oh! não suma,
Senhora que a alma perfuma,
A graça desse olhar à minha certa sorte!

Com a espada na bainha,
O coração servo de uma rainha,
Contemplas, fervorosa, o teu Filho sob o norte.

Ergues a Deus o olhar,
E com teu suspirar
Pedes que o Amor seja mais que forte.

Quem sente
O ardente
Fogo a acender - me o espírito?
Como este pobre peito suspira,
Pelo amor que a alma cumprira,
A obrigação perfeita de ser vivo para o infinito!

Para onde quer que eu for,
Que cor, que cor, que cor...
Aqui, dentro de nós!
E, mal estou em mim,
Una - te a minha alma,
Sorrio, sorrio sem fim.

Os vasos da janela,
D'amor reguei.
Quando hoje de madrugada,
Com as flores de mim te cortejei.

E logo que ao nascer
O sol no quarto entrou,
Já disposto na janela
A sorrir me encontrou.

Guarda - me! livra-me da ausência, me conforte!
Oh! não suma,
Senhora que a alma perfuma,
A graça desse olhar à minha certa sorte!

Tempo

Sentei - me à todas as más conclusões de mim, à margem alta do inacabado, e meus pés mesmo com estas pernas tão longas, não tocavam o chão. sentei - me e com minhas mãos de homem, segurei todas as minhas inconclusões entre as palmas e os meu dez dedos, e não há criança no mundo com dedos e palmas menores que os meus, sentei - me a balançar os pés no ar e a deixar todas as minhas inconclusões cairem por entre meus pequenos dedos, de forma meticulosamente descuidada.
Derramei as poucas inconclusões que cabiam firmes em minhas mãos, se não posso segurar todas, então me ponho a segurar nenhuma.
O cigarro amassado no bolso, o esqueiro de fogo falho e a certeza do imediatismo como maior das conclusões, a certeza do agora como certeza absoluta e pungente, como o agora neste céu de um azul escurecido das dezenove horas, da mancha cinza que sai do meu pulmão e suja o azul póstumo do dia, do meu murmurar de alguma velha música apenas para quebrar o silêncio de mim mesmo, as pequenas e sujas coisas que vão se intercalando e compondo este gerúndio de agoras, o imediatismo irremediável de se viver cada instante de cada vez. O irremediável de ter plena consciência do Tempo.



Mark lanegan - Man in the long black coat