26.6.09

Porcos e cães

O rio corre manso a favor da queda, da morte... pacífico segue rumo ao penhasco, em sua margem não há certo ou errado, o porco do mato e o cão doméstico bebem da mesma água, que segue a mesma calmaria, que morre na mesma foz.

O rio da vida, da vida dos porcos do mato e dos cães de casa, o rio da vida de todo qualquer ser segue manso a favor da queda, da morte... rumo ao penhasco, mas há muito o que colher em suas margens no pouco tempo entre as ondas e a queda. o verde do mato rasteiro é agradável para quem observa o sol poente, roçar os dedos sujos de terra no agudo da erva antes que o sol morra, antes que o frio do fim da tarde engula o agradável da brisa, antes que o frio mate a vontade pelo dia.

O rio da vida arrasta as folhas mortas, os gravetos e o espírito de qualquer um. as mãos finas e compridas, macias e impiedosas que arrastam tudo, que calam e que dão voz a tudo, num ciclo infindável e inoxidável de folhas e gravetos e espíritos...


O rio da vida, dos porcos e dos cães, dos bons e dos maus, o rio da vida das ondas de tempo que devoram tudo com a paciência de um ancião, os rios da vida que morrem na foz, cerrados contra o horizonte como meus olhos de pensamentos inacabados.



O rio da vida que balança meus ossos nas ondas do tempo.
meus pensamentos de folhas mortas e gravetos.
meus pensamentos de porcos do mato e cães domésticos.
meus pensamentos de horizontes inacabados.


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25.6.09

Minha cabeça

Minha cabeça doi, doi às pontadas, aos latejos... dor que não esfria no gélido dos azulejos do banheiro, que não desfia nos aleijos do que seria o primeiro em minha própia cabeça, mas que não o é: - eu mesmo.


Minha cabeça borbulha como água fervendo para o café, minha cabeça é um gole de café grosso e sem açucar, amarga até perder o paladar; amarga de não se esquecer do fervor por não sair do paladar o amargor, singular e forte, minha cabeça má coada e doce como o asfalto que nunca dorme.


Minha cabeça cinza como os carros e as pessoas nas ruas, minha cabeça caótica e barulhenta como as seis da tarde, minha cabeça engarrafa e estridente no barulho que sai dos volantes aos murros, nas buzinas que ecoam nas outras cabeças que vazias, seguem mecanicamente para a frente, minha cabeça cheia de barulhos vazios e altos, minha cabeça de fronte ao semáforo que nunca abre, ouvindo todas as ofensas que o mundo se nega a ver.


Minha cabeça doi, mas o físico não sofre, a dor não corrompe meu crânio, minha cabeça doi no espírito, minha cabeça tem alma, sim... minha cabeça doi, mas a dor não mata a carne, a dor do espírito é como um osso na boca do cão, minha cabeça corroida das mordidas do cão dos meus pensamentos, minha cabeça como um orgão falído e decrépto...



A cabeça do meu espírito cruza a rua com toda a hipocondria do mundo,
e um punhado grande de dores verdadeiras.

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24.6.09

Três dedos de fumo.

Mascava três dedos de fumo, debruçado à vertical no poste na esquina, o vento maltrapilho socava seu rosto como um boxeador impetuoso, seu rosto de pedregulhos mal encaixados. observava o caos aparente das coisas, o cão sarnento a roer o resto do frango no lixo, a mulher da cara gorda a roer os restos do marido nos ouvidos, o dono da mercearia vendo as horas pelas costas, ouvindo o assovio do vento e o tictaquear do relógio, uma hora de cada vez, um dia de cada vez... e assim a vida morre grão a grão.

Mascava três dedos de fumo, um murmurar salobro contra o assovio do vento, os olhos trincados como bolas de vidro, areia nos olhos como pó de melancolia. não fala, não chora, morde o seu fumo e expõe as marcas de sua face disforme, como um troféu contra o vento, um troféu amassado e opaco, um troféu de suas derrotas contra o tempo.

Mascava três dedos de fumo, o casal pára a seu lado no ponto do coletivo, a mulher da cara gorda é uma metralhadora de verbos despresíveis contra os ouvidos meio mortos do marido, eis que o marido lhe olha por um instante, então ele pára com seu mascar, olha de volta o homem dos ouvidos doentes, lhe dá um sorríso débil, desses que guarda no canto amargo da boca, e por um instante o marido dos ouvidos doentes percebe que já está morto há alguns anos...

O coletivo vem, o casal parte...
o cão se aproxima com a costela do frango entre os dentes, solta na frente do homem e se senta como quem espera algo. o homem cospe seus três dedos de fumo no cão e some na viela que mora atras do poste. o cão sarnento lambe o fumo amargo que escorre em seu focinho, e chora baixo como quem descobre que já morreu.

ao fim da tarde o guarda da rua passa e vê que a mercearia estranhamente continua aberta, todo o comércio já estava adormecido. ele adentra pela porta e vê, sentado com o rosto agora a favor do relógio, o dono da mercearia, com o coração parado e o relógio da parede a tictaquear a todo vapor.

E na viela já escura, contra a luz fosca do poste, a silueta do banco caído e as pernas penduradas sobre o ar fazem sombra no meio fio. o homem que outrora mascava os três dedos de fumo, balança como um pêndulo com o pescoço amarrado a uma corda, com seu último sorríso débil estampado no seu rosto de pedregulhos mal encaixados.



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23.6.09

Diamantes e ossos tortos

As horas dançam sobre os olhos, como crianças com os pés cheios de barro. contrai os ossos das mãos, como se fosse esmigalhar um diamante com um sorríso de trincar os dentes doentes. passos grossos de primata atacam os ouvidos do chão, murros agudos na terra, que trincam o silêncio pungente da rua. anda anda demônio das horas, com os olhos cheios de barro e a mão, dos ossos entortados de quebrar diamantes. sorrí com dor na força apertada nos dentes, nos ossos das mãos.


Parafusos e pregos mascados, o gosto da ferrugem corrompe o canto rasgado da boca, na rua enevoada dos tijolos tortos, o homem dos dentes tortos masca pregos e caminha aos tropeços, como se dançasse uma valsa morta, como se fosse uma criança eufórica com os pés cheios de barro, e gasta a pouca energia dos seus ossos até a exaustão, desmonta - se em um canto sujo próximo ao meio fio, e lá dorme como uma criança enfadada ao fim do dia, com seus pregos enferrujados guardados nos bolsos, com seus dentes quebrados guardados na boca.



A lâmpada do poste morre como que por diabrura, e a rua então some no meio do negrume.



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