16.9.09

O Conto da hora de mil dias

O relógio indicava quinze horas,
Ivanov engole o último gole encorajador de águardente e guarda a lâmina afiada dentro da blusa, deixa o copo sujo e algumas gotas de seu medo sobre a velha mesa de janta, pega a chave de seu ford e se põe a caminho da rua.
Quarenta minutos até seu destino, o carro trepida no asfalto acidentado, seus pensamentos trepidam sob seus olhos acidentados, Ivanov murmura de forma seca e rasteira o nome enquanto aperta o volante de seu carro e os dentes na boca, como se fora um enforcador dentilhado no pescoço de um cão raivoso.
gosto de sangue na boca, sangue fervendo nas mãos.

- Kriger, desgraçado sejas, Kriger.

O semáforo interrompe a auto paisagem de seu destempero, então abre o porta - luvas a procura de algo para beber, eis que encontra uma foto de seu velho pai, e como num devaneio meticuloso lhe vem a mente a tarde onde conhecera pela primeira vez o mar, criança ainda, quando seu pai o levara para ver o morrer da tarde junto as ondas, e o quão maravilhado ficou ao sentir o frio da água salobra lhe acariciar os pés pela primeira vez, lá tinha seus seis, sete anos... era um tempo onde o mundo era menos salobro e bravio.
Continua a tecer pensamentos sobre pensamentos, como se em uma epifania se pusesse
sob o percauço da indução de seu inevitável e nítido fim, se colocara a rever todos os seus parentes,seus entes, as coisas as quais amou durante seus trinta e sete anos. seus olhos marejados e seus dentes ainda cerrados, sentiu então que aquele sentimento que o tomara poderia lhe enfraquecer quanto a sua obrigação, então guardou novamente a foto fosca de seu velho pai no porta - luvas e se pos a parar de pensar no que passara, no passado que o fez, apenas voltou a se impor seu objetivo, e então o medo que se fez um pouco mais forte novamente retrocedeu, repetiu novamente:

= Kriger, desgraçado sejas, Kriger.

Seus quarenta minutos acabaram, a rua chega e ele tem que descer e fazer o que tem que ser feito, é o que diz seu código de honra, é o que lhe falta como respeito a seu pai e a seus ensinamentos como homem, é o que lhe deve o substantivo vingança.
Desliga o carro e observa o outro lado da rua, pode o ver sob a luz baixa que circunda o velho bar de esquina, pode ver Kriger, sim, ele está lá, em uma das esquinas da mesa de snooker, com o taco do jogo na mão esquerda e um copo grande de cerveja na direita, e como gesticula e ri alto o desgraçado, risos e palavras altas que ofendem o ar do cérebro de Ivanov.
É uma boa partida de snooker, Kriger joga com outros três homens, e a cada jogada debocha e ri alto de todos que ali jogam contra ele, Ivanov espera meticulosamente o fim da partida, analisa metódicamente cada movimento, cada gesto do homem que acabara com a paz de sua família, o suor lhe escorre na testa em uma única gota, o suor lhe escorre como um animal que cai morto em um despenhadeiro, sua boca seca... seus olhos em brasa, como ardem seus olhos, a partida está para acabar, Ivanov precisa de algo para beber, sente a língua como se fosse um pedaço desértico de pedra dentro da boca, a partida está quase no fim, sente seus sentidos completamente acesos, como se fosse um animal a beira de um ataque predatório, a selva dos homens lhe agride com socos fortes, resta apenas uma bola na mesa, pode ouvir seu coração bater na sua orelha quente, bater como o maior dos martelos, insurdecedora trepidação cardiaca, passa a mão no rosto e abre a porta de seu ford,
a partida acabou.

Ivanov entra no bar e pede uma cerveja, Kriger não o vê, continua disperso com a partida de snooker que acabara de ganhar, fala alto e ri contra seus adiversários,
mal sabe o que lhe espera, Ivanov engole um copo de cerveja em um único e afogado gole, então vai ao banheiro, olha uma última vez seu rosto, ele sabe que é a última vez, então pára por um minuto, em silêncio, estático... neste minuto nem respira, se olha como se quisesse memorizar seu própio rosto, seu velho amigo rosto, se olha como em um adeus solene, respeitoso, então lava o rosto e empunha a lâmina por dentro da manga da blusa, é feita a hora.

Kriger é um sujeito de estatura mediana, cabelos engomados e avermelhados, a altura da cravicola, rosto de formas retas e raspado, nariz contundente e com uma cicatriz próxima ao queixo, olhos vivos em um azul celeste, dispostos em órbitas avermelhadas em um tom alcoólico infernal. já Ivanov era um sujeito alto sobre os olhos na multidão, magro e pálido como fora seu pai, barba espessa e cabelos curtos, os dois em um tom castanho claro, uma testa protuberante escondida sob o chapéu e os olhos cansados sobre um verde azulado, característica dos de sua prole.

Ivanov se põe à porta do banheiro, observa o meio a procura de Kriger, eis que o encontra ao fundo da taverna, sentado, de costas para ele, Ivanov deixa a lâmina escorregar delicadamente até acolhe - la na palma de sua mão, o lugar escuro e a bebedeira generalizada favorece que não se perceba o aço que se posta sobre a manga do velho casaco marrom.
passos firmes e pacientes, contados um a um, desviando dos bêbados e da esbórnia instaurada ali, Ivanov apenas vê seu antagonista, apenas firma seus passos e ajeita a lâmina pára firmar força quando o golpear.

Quatro homens na mesa, três cadeiras de frente e a de Kriger de costas, três segundos entre alguma reação e o primeiro golpe, os homens observam a aproximação de Ivanov, mas o tempo dos olhos é bem maior que o das mãos. Ivanov o pega pelos cabelos escorregadios, quatro golpes: três nas tripas e um no pescoço, Kriger ainda empunha seu revolver, mas o máximo que consegue é ferir Ivanov no braço, Ivanov solta os cabelos de Kriger depois de ser alvejado por cinco tiros das armas dos comparsas de Kriger, mas seu rancor o permite aguentar ainda mais cinco minutos vivo, enquanto vê Kriger deitado no chão, dançando a valsa da morte, empapado em seu própio sangue, com os olhos estalados na direção de Ivanov, pescoço tensionado, pernas e braços tremendo com toda força pungente de seu corpo, como em um gorfar do espírito, mas eis que a música acaba, eis que o dançarino descansa, a morte veio ter com ele, veio ter com Ivanov também, este, olhando para as pupilas inertes de Kriger, aperta a lâmina na mão e sussura para a morte:
o desgraçado está morto, meu pai foi vingado, agora podemos ir.



O bar silenciou -se por completo,
naquele instante o relógio marcara exatamente dezesseis horas.


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