14.11.08

Augusto dos Anjos

Versos borrados sobre a arte maculada de Augusto dos Anjos,
sobre os Versos Íntimos do mestre do orgânico.


Vedes? não fitaram o lastimável
Ruir da tua fírvula carcaça,
Nesta terra pútrida sois a caça
Do semelhante que se acha inefável.

.

Descança sobre o solo que te cabe!
A fera, que, na miserável terra,
espera. Entre homens, que urra e berra,
Entre homens e feras, qual é? não sabe.

.

Acende teu tabaco, faz - te chama!
O afago, irmão, prefacía a agressão,
O toque qua afaga é o mesmo que fere.

.

Se alguém a tua chaga 'inda interfere,
Esmigalha o afago desta mão,
Rasga o cárdio vão, que brada que te ama.

13.11.08

Florbela Espanca

Poema meu, traçado sobre o soneto Anseios:

Onde vais, ó meu débil coração?
Nos teus esmeros tortuosos aos céus,
Põe fiança na realidade, nos véus
Para não despedaçar - te no chão.

Faz - te manso, não te sufoca à amar.
A doce e morna brisa dos trigais!
Não te cativa a paz do não chorar?
Não te basta o silêncio dos mortais?

Tu, paixão, rasgas em dois o meu peito!
E meu gasto cárdio torto e sem jeito,
Sorrí largo com fiapos d'ilusão.

Não abra tuas já rasgadas asas ,
deixar - te viver manso, sob as casas
frias e seguras da solidão.

Afronte à Cruz e Souza

Versos meus, de encontro à Antífona.


Ò forma turva, cinza, forma escura
de penumbra, de névoa, de neblina!
Ò forma vil, soturna, feita em sina...
Perfume maculado da candura

Formas do torpor, definhada, suja,
de meretrises, noites pavorosas...
noturna luz fosca, luz que me fuja,
que me roube das flores rancorosas.

Indecifráveis canções amornadas
simplórias do dedilhar e do som
Horas vãs, em cinza - cru desgastadas
Relicário cuja paz não traz tom

Cegueira casta, murmúrios bravios,
sussuro de débeis vozes vorazes...
Como o urro dos ancorados navios,
do praguejar sob os santos altares...

Agourados espíritos etéreos,
míticos, inóspitos, maculados,
grafados à torpe são os funéreos
senhores dos versos aqui findados.

Da insônia as mais cinzas blasfemidades
que surjam, que se debrussem na Estrofe
e as emoções, as infermidades
da alma do Verso, que na boca mofe.

Que a luz finda dos astros em colápso,
sucumba e deflagre a rima atroz, vil
Que turve o pensamento todo em lápso:
Deserto escurecido e poeiril.

Forças terminais, eclodem em desgraça
de carnes de mulher, pecaminosas...
Todo este declínio pelos céus passa...
na asa do Corvo que devora rosas.

12.11.08

Ode sob "Navegar é preciso" de Pessoa

Navegadores póstumos teriam uma frase de inglória:

"Viver é preciso; Navegar não é preciso"

E quero para mim o espírito de todas as frases, transformadas a forma para casar - me comigo mesmo e como sou: Aceitar - me.

Viver é extremamente necessário; o que é desnecessário é o apego ao póstumo, ao devaneio feito em gerúndio, ao infinito porvir.

Conto em gozar minha vida, não em pensar gozá - la.
Nem torná - la grande penso, mas sim em apenas torná - la a qual é.
e para isso indiscutivelmente ser a lenha de mim e o fogo fírvulo de ser o que sou, irremediavelmente o que sou.

Torná - la toda minha sem gotas de egoismo, ainda que para isso tenha de a perder como minha, vida e humanindade de mim.
Cada vez mais penso em pensar menos.

"Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue"
o propósito pessoalíssimo de fazer - me par com qualquer perfeição ou aleijo do mundo, para evolução despretenciosa de mim mesmo.

È a forma que em mim tomou o misticismo de raça alguma, a raça dos pares e páreos comigo, o "não - raça".



O original




The doors - when the music's over

11.11.08

Moedas

Com uns seis anos, o menino cego do olho direito entra vagão a vagão, descalço e com as roupas amareladas e sujas nas barras, ele pede as moedas que chaqüalham nos bolsos, as moedas que vão dormir no canto das estante quando você chegar exausto em casa, as moedas que você vai comprar um cigarro, uma bala, as moedas que você vai perder quando correr para pegar o ônibus ou se proteger da chuva num canto coberto, ele apenas quer as moedas, sua mão suja e pequena se estente na direção de todos, o vagão dos bancos lotados, um ou dois escavaqueiam os bolsos atras do que ele precisa pra sobreviver, as malditas moedas que não te servem de nada, mas que são a única coisa que ele precisa. Pro inferno com a terra das moedas valiosas, Pro inferno com a terra das moedas que não valem nada, Pro inferno com a terra das moedas que valem uma vida.



Rage against the machine - Freedon

10.11.08

A normalidade parda e pulsante

Eu ando, mas meus pés já reclamam comigo por qualquer meia dúzia de calçadas, as pessoas e suas caras grossas de individualidade, meus sapatos e suas solas finas e gastas, meus dedos sufocados contra o plástico do calçado, comprimidos uns contra os outros, seguindo a vontade dos meus pés, da minha cabeça obtusa de pensamentos rasos e auto sustentáveis, meus pensamentos finos e gastos. passos perdidos subindo a escadaria da Nove de julho que dá na Caio prado, estaciono sobre uma poça d'água num dos intervalos da escadaria e acendo um de meus amassados cigarros, enquanto a chama falha eu me vejo tortuoso na poça, um desenho mal colorido de mim e do céu branco e pesado do fim da tarde. quatro segundos até acender o tabaco, um fio grosso de fumaça se despreende de mim e sobe livre do cigarro, de mim. eu continuo subindo a escadaria, explodindo todas as poças do caminho, magoando meus dedos contra o interno dos sapatos, cultivando cinzas dos meus tragos por toda Caio prado, seguindo a normalidade parda e pulsante de um fim de tarde tipicamente urbano, nesta terra de concreto e poças de espelhos sujos.



* A paz é um pedaço de bem querer feito com as letras que te deram como nome.


Uncle tupelo - Moonshiner