4.4.12

Versos à ferrugem

A ferrugem...


Sentado no banco frio e irregular do coletivo,
andando frouxo por entre as ruas maltrapilhas do centro velho,
desviando das centenas de rostos anônimos, rostos abandonados sobre os pescoços do alheio.

Meu olhar frio e irregular, meu olhar sempre frouxo e maltraiplho com a encenação diária que me cerca, meu olhar sempre alheio, sempre a frente do meu pensamento, pois a imagem do real sempre suplanta qualquer pensamento criado, as suposições vivem dos olhos para dentro, sempre de castigo num canto qualquer da cabeça, guardadas nos porões das nossas incertezas supostamente certas, pois só quem é livre é a realidade, a realidade corre pelas ruas com os sapatos confortáveis do tempo, já eu... eu ando descalço sobre o asfalto grosso das incertezas do porvir.


Os vizinhos dos meus olhos continuam perambulando pelos cantos da minha boca: moradores de rua, pedintes, executivos, prostitutas, malabaristas de semáforo, pessoas se enclausurando às dúzias em coletivos e o trânsito que as condena, as ruas e as calçadas sujas, todos ainda coexistem comigo ...

Diz o fim do verso de Álvaro de Campos:
"Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao votante,
Na estrada de Sintra, que cansaço da própria imaginação,
Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra,
Na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim..."

A ferrugem dos olhos vem de dentro, é antes de tudo o cansaço da própia imaginação.
E os olhos como janelas, o cansaço da imaginação como vidros trincados...
Fiz-me então parte do todo, e é tudo um trincar constante, as ruas e os céus em cinza, todo o concreto e todo abstrato, tudo uma engrenagem maior de vidros sujos e trincados.

A ferrugem...
à ferrugem.

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