5.4.12

Sépia

Cá está bem, dou por justo, no canto extremo do banco de madeira da praça de ninguém, sento e aguardo com a paciência trêmula do cigarro pendurado pelos dedos, anoiteço as costas no conforto severo do velho banco da praça dos ninguém, e espero.
Que espero? que espera este banco de madeira já tão gasta? a árvore curva ou o homem velho e curvo no outro banco defronte a mim, que esperam?
Um trago, outro... e toda síntese se desmancha no ar como a fumaça que se esvai, par ao barulho distante das coisas, e como em uma fotografia, toda a realidade se emoldura em minha volta. que esperam? não esperam nada, pois esperar é, antes de outra coisa, presumir, anteceder... e não somos deuses inventados rabiscando destinos, eu e o velho banco, a árvore e o velho homem, a praça dos ninguém, a realidade orgânica das coisas, o mundo lá fora que passeia pelos outros olhos que não os meus, somos todos a fotografia suja do agora, e amanhã talvez outra, e depois outra... mas que sempre o tempo, com suas mãos inquietas, rasga cada foto, uma a uma, a cada segundo passado.
Mas dou por justo, no canto extremo deste banco, a consciência da fluidez das coisas por elas mesmas se faz justa, e o peso da urgência fica do lado de fora, na calçada e nas pernas apressadas dos ninguém, mas o banco e o cigarro me confortam, daqui eu vejo o tempo rasgar as fotografias dos ninguém, daqui toda a pressa de existir se torna impressões em sépia, rasgadas, ao vento.

3 comentários:

Kelly Cariolano disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Kelly Cariolano disse...

"A mesma praça, o mesmo banco..." kkkkkkkkkkkk!!! Foi mal brother, não resisti!

Jéssica Souza disse...

Costumo dizer que nós, seres humanos, fomos feitos para esperar. Só. Pelo amor, pela dor, pela vida, pela morte. Por nós mesmos.
Beijos