2.9.08

Mas se você reparar

A sola dos meus pés como cascos. gastos, no asfalto destes dias, rastros como o som de melodias sem voz, daquelas de só ouvir e pensar, sem ver.

Desço do coletivo e mecanicamente meto a mão no bolso menor da mochila e procuro a carteira de cigarros. a acho, mas está vazia,há apenas um cigarro solto dentro do bolso, o economizo para depois. Então respiro dos carburadores o carbono menos puro que o do tabaco dos meus hollywood filtro amarelo. Atravesso o semáforo que já pisca em vermelho, corro corro. tempo destes pensei: será que algum motorista me atropelaria se eu andasse ao invés de correr? Subo o escadão que sai da Nove de julho e dá na Caio prado, sinto uma dor no peito do esforço, um cansaço pulmonar. sedentarísmo? nicotina? estar vivo organicamente ? é... estar vivo organicamente. espero mais um semáforo ser a meu favor à dos carros. já reparou que as pessoas ficam de cabeça baixa quando o semáforo demora mais de cinco segundos pra abrir? é para não olhar para você, para mim, é como estar na fila do banco, no ônibus superlotado ou como ter que conviver com alguém que lhe fez mal. Há um homem enrolado em um lençol no cruzamento da Consolação com a Caio prado. muitas, muitas pessoas se driblam para não se esbarrar enquanto atravessam. mas se você reparar, elas não se olham enquanto fazem isso. O homem permanece parado no meio fio, com seu lençol xadrez e seu odor forte e típico de quem faz morada nas ruas. Ele observa sem mover o rosto, apenas seus olhos seguem o movimento frenético das pernas que vão e vem. testa franzida, barba e cabelos espessos e grisalhos. meia altura e seu lençol xadrez em azul marinho. Fiquei parado e esperei o semáforo fechar para mim uma vez, observei a observação do homem e as pessoas que se desviavam sem se olhar. O homem observava a todos, mas ninguém olhou para o homem, apenas eu. o homem observou a todos, menos a mim. Encostado no poste do semáforo, com meu último holluwood filtro amarelo quase no fim, eu vi a cidade que anda olhando pro chão e desviando apressada do mundo. eu vi a cidade de testa franzida que observa o mundo se esquecer de si mesmo.



Cat power - Faces

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