30.8.08

Sopro contra o declive

38 páginas de uma releitura de Zaratustra do Friedrich e o coletivo chega a seu/nosso destino, ainda tento acender meu cigarro, mas o vento é mais forte que a chama branda do meu isqueiro, então reponho-os no bolso e sigo em direção ao outro ponto, a outro coletivo, o último em direção a minha morada. Pessoas retornam assim como eu, filas e filas, um homem e uma bolsa pequena ( uniforme e marmita), uma criança vendendo chocolate, uma senhora vendendo salgadinhos num canto do terminal, lendo sua bíblia, será que crê ? será que mata o tempo? sabe Deus...
Adentro o último coletivo, este está cheio, vou em pé, não posso retomar minha leitura, mas de certa forma sempre acabo lendo uma coisa ou outra, o rosto duro e gasto do dia das pessoas que vão de pé no coletivo, assim como eu. os que dormem pesadamente, mesmo com os solavancos do coletivo que atrita no asfalto irregular. Se lê um certo conformismo pesado no semblante das pessoas, um traço firme e grosso de conformismo e passividade, como se a vida tivesse os driblado e os deixado pra tras, um conformismo quase que religioso, quase que consciente de si. Estou na parte que Zaratustra enterra o equilibrista que caiu da corda bamba. 20 minutos e eu chego no ponto próximo a minha morada, acendo um cigarro e sopro contra o declive de paralelepípedos que antecede o meu destino final. Vento firme, bravo... até que chego, me guardo do mundo em minha morada, ceio e me deito, penso um pouco no dia, mas não muito pra não por-me à insônia, apenas penso coisas leves pra atrair o sono. amanhã continuarei da página 39. os mesmos rostos de traços firmes e gastos, o mesmo vento bravil me jogando os cabelos e a fumaça contra a façe. Por vezes parece que os dias meticulosamente se repetem um a um. Assim falava Zaratustra.




Mark lanegan - Field song

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